Trilharada (2021), de Marco Moretti, editado pela Editora Patuá, é um livro que reúne contos de fôlego. São dezesseis narrativas longas que contam com o uso comunicativo da função fática, aquela que contém certa dose de suspense e expectativa. Segundo o autor em prefácio à obra, os contos mantêm o estilo épico, imaginativo, histórico e fantástico, embora ele afirme que nessas histórias apenas algumas dessas características apareçam.
Com certeza, uma delas é uma constante, o fantástico. Não quer dizer que as histórias não tenham uma, quase sempre, crítica ao mundo contemporâneo que se abate sobre os sujeitos que nele habitam. Assim, a fome permanece em um mundo movido a tecnologias e à inteligência artificial. A mendicância, a busca do silêncio, o encontro de trilhas, vão nessa linha.
Trilharada dá nome ao volume e é o primeiro conto da obra. Há clara e intencional relação com as veredas de Guimarães Rosa, o diabo na rua no meio do rodamunho. Esse ser amedrontador, no conto, fica por conta do folclore nacional na figura do curupira.
Apenas para comentar, no conto Dona Morte, as figuras esquálidas das batalhas para espantar a indesejável das genteslembra também as imagens pictóricas de os retirantes de Portinari assim como os personagens silenciosos das vidas secas, de Graciliano Ramos.
A violência urbana também está presente em vários contos como é o caso de Eles, os outros. Dos inúmeros telefonemas que recebemos no cotidiano ao sem parar de contas não explicadas, os sujeitos contemporâneos enredam-se em teias em que a saída é o isolamento que quase sempre leva à violência. Clara relação aos enunciados psicanalíticos do espelho marcados pelo narciso acha feio o que não é espelho, de Caetano Veloso.
Moretti já publicou romances, um deles indicado ao Jabuti de 2011. É um exímio contador de histórias. Os contos da antologia Trilharada provam isso. Confira!
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